sábado, 30 de abril de 2016

Apoiar o outro, Aprendizagens e Trocas de experiências

[Caminhava dentro do ônibus buscando uma cadeira para sentar, e me chamou atenção um rapaz ao lado da janela com um livro aberto e com olhar vago em direção a rua como se estivesse muito longe dali.

Engano meu, pois logo que sentar ao lado dele, voltou-se para mim esticando a mão e dizendo boa noite. Sorri de volta, cumprimentando, e reparei que carregava uma bíblia. Contudo fiquei em silencio, e assim fui indo.

Certo momento o rapaz começou a balbuciar: "respeito... respeito..." até que se voltou para mim e disse:

  1. "Irmão, o que é respeito?"
  2. Eu perguntei: A palavra "respeito"?
  3. "Sim isso, respeito" - disse ele.
  4. Respondi: Eu acredito que respeito é compreensão. É se compreender, e assim respeitar a si. Também compreender o outro e por isso respeitá-lo.
  5. "Glória ao pai irmão. Mas o mundo as pessoas não estão se respeitando! As pessoas do mundo estão fazendo coisas muito erradas.
  6. Respondi: Em seu tempo cada um vai achando seu caminho de encontro a Deus.
  7. "Mas irmão a salvação não é para todos." - e começou a recitar vários versículos e paginar. Percebi que estava cheia de textos marcados e sublinhados, e que estava diante de um rapaz dedicado.
  8. Então quando ele terminou de falar, perguntei: "Você acredita que Deus é perfeito?"
  9. "Claro irmão. Claro!"
  10. Continuei: Você acredita que Deus é perfeito, e sendo perfeito desistiria da sua criação? Desistiria de algum dos seus filhos?
  11. "Não irmão. Ele não desiste de nenhum de nós. O homem é quem desiste dele."
    Complementei: Somos nós que desistimos dos outros. Olhamos, e dizemos ou pensamos "Aquele ali não tem jeito não!" Mas Deus não desiste de nenhum, nunca.
  12. "Então o que você acha da salvação? Não existe a salvação?"
    Sorri para ele e disse: Penso que a salvação é coletiva. É nisso que acredito. - ficou uns cinco segundos em silêncio pensando e perguntou:
  13. "Irmão!! Mas você acha certo roubar?!"
  14. Respondi: Eu aprendi que roubar não é justo para com os outros. E é algo que cria negatividade: ódio, raiva, revolta, etc. Mas tem gente que acha que é uma opção melhor, e tem outros que acham que é correto, e ainda não aprenderam isso.
  15. "Irmão!! Mas você acha certo mentir?!"
  16. Respondi: Eu aprendi que mentir é algo que me traz um mal estar e pesa na consciência, e que falar a verdade cria confiança e deixa a alma leve. Mas tem muita gente que ainda acha que é a melhor opção, e alguns riem e acham que é muito divertido mentir, e ainda não aprenderam isso.
  17. "E o pecado irmão?"
  18. Continuei: As vezes as pessoas tem que experimentar algumas coisas até aprender. Conhece a estória da criança e da estufa?
  19. "Não conheço."

"Uma criança desejosa de tocar numa estufa, fa-lo-á tão rapidamente logo que ache oportunidade, apesar das ordens dos pais e da ameaça de um castigo. Porém, quando a criança tenha experimentado uma vez a dor da queimadura, reconhecerá que há uma íntima relação entre a estufa quente e o dedo queimado, e apartar-se-á da estufa. Os pais gostariam de proteger o filho contra o resultado de suas próprias loucuras, mas a natureza infantil insiste em aprender certas coisas por experiência..."

  1. Continuei: Algumas coisas já não nos fazem "cair em tentação", ou seja, nós olhamos e já nem sentimos vontade, não somos "tentados" a fazer aquilo, porque aprendemos, e já outras nos fazem balançar, e são essas que precisamos aprender... - ele ficou pensativo.
  2. Prossegui: Não me entenda mal amigo. Eu acho interessante os sistemas de crenças, e creio que são muito importantes. Imagine que um homem ou mulher estaria indo fazer agora se não estivesse indo para sua igreja? Hoje é sexta-feira a noite, olhe para os lados, tantas boates, luzes, bebidas e comidas fartas, sensualidade superexposta... Pelo menos eles estão lá no templo, tentando aprender, buscando a Deus.
  3. "Irmão, você mora nessa cidade? É que vou descer em breve..."
  4. Respondi: Não, eu só trabalho aqui - e prossegui - mas eu entendo sua colocação, sobre as religiões...
  5. Ele levantou para descer, apertou a minha mão e disse:
  6. "Religião e Igreja não salvam, Irmão. Deus é quem salva."
  7. Respondi: E você está muito correto, e falou com sabedoria. Fique com Deus e até mais.

A medida que esse jovem espiritualista saiu caminhando desejei sinceramente: "... e que Deus te ilumine mais a cada dia."

Nos primeiros suspiros e lampejos do despertar há uma imensa revolta com os sistemas ao redor. Nos sentimos tapeados, o ego ferido. E é até compreensível no início. Basta ler meus primeiros textos aqui do blog para perceber isso claramente. Hoje penso que tudo isso são consequências de um deficitário sistema educacional e da nossa falta de habilidade individual em expressar ou compartilhar experiências com os outros. E deve ser por isso que Paulo Feire disse:

"Seria uma atitude muito ingênua esperar que as classes dominantes desenvolvessem uma forma de educação que permitissem as classes dominadas perceberem as injustiças sociais de forma crítica."

Mesmo assim muita gente já percebeu. Só que agora precisamos desconstruir esse sistema velho, e construir um novo onde as pessoas desenvolvam a habilidade de partilhar suas experiências sem ilusões, sem conflitos, sem a pretensão de mudar o outro, mas sim de aprender com ele.

E é por isso também que a nova geração não se adapta a: mídia, educação, política, religião, economia, etc. Tudo parece "torto". Mas essa revolta tem que ser trabalhada, para não criar tanta negatividade e não se perder essa energia preciosa. Pois essas pérolas tem dentro de si o senso, mas ainda não aprenderam a partilhar de forma positiva e amorosa. Precisam de apoio para resolverem esse descompasso interior, e trazerem para fora as soluções criativas. E por isso são vitais para construir o novo mundo. Como Paulo Freire também falou:

"A educação não transforma o mundo. A educação muda pessoas. Pessoas transformam o mundo."

Transformar a realidade. Mas o que seria essa "educação" que tanto se fala? Penso que está todas as relações! É o que muitos chamam de reciprocidade. Está na forma de você facilitar o aprendizado do seu filho, e como você fala com eles quando fazem coisas que você não gosta. Nos seus projetos com seu colega de trabalho. Com um estranho na rua. Nos treinamentos, nos congressos, nas salas de aula, etc. É quando nos colocamos na posição de facilitadores e eterno aprendizes, sem ilusões.

E o que o rapaz do ônibus tem com isso? rsrs ... Já pensou se eu achasse que sabia mais que ele? E se caísse na ilusão vaidosa de competir com ele sobre o assunto? E se eu tivesse a pretensão mudá-lo, coloniza-lo com minhas crenças, conseguiria ouvi-lo? Acredita que aprendi tanto quanto ele no diálogo? Nós partilhamos, e os dois saíram ganhando e alegres. Bem melhor, não acha?

Tantas teorias maravilhosas na educação que podem nos capacitam a desenvolver esses talentos. Eduard Lindeman, Malcolm Knowles e Paulo Freire. O conhecimento não se transmite como arquivos digitais, mas as experiências podem ser compartilhadas. As pessoas não precisam de professores para ensiná-los algo, precisam de facilitadores de aprendizado, pois a necessidade do que aprender está no interior de cada um, e unida as suas experiências.

Grande abraço.

ascendente999@gmail.com]

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Olá! Fico feliz por sua visita.


*hash-code é uma forma de preservar a integridade do texto. Refere-se ao md5 do texto entre colchetes "[ ]". Caso exista algum erro na escrita seria muito bom arrumar, certo? :) Muito obrigado. 

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